19 de agosto de 2025

Carta 71 – Sempre que queiras saber qual a atitude a evitar ou a assumir, regula-te pelo bem supremo, pelo objetivo de toda a tua vida.

Por lucianakeiko@gmail.com

De vez em quando colocas-me questões de ordem muito concreta, esquecido de que estamos separados por toda a vastidão do mar.

Ora a relevância de um conselho assenta em grande parte na sua oportunidade; assim é inevitável que, em relação a certos problemas, a minha opinião chegue ao teu conhecimento quando a opinião contrária talvez fosse já a mais adequada.

Os conselhos, de fato, têm de adequar-se às circunstâncias, porque a nossa vida se passa a correr, num turbilhão, e por isso mesmo um conselho tem de ser ministrado no dia exato. E mesmo assim já pode chegar atrasado: tem de ser ministrado, como soe dizer-se, no instante exato. Vou, no entanto, indicar-te um meio de te orientares.

Sempre que queiras saber qual a atitude a evitar ou a assumir, regula-te pelo bem supremo, pelo objetivo de toda a tua vida.

Todas as nossas ações devem conformar-se com o bem supremo: somente é capaz de determinar as suas ações individuais o homem que possui a noção do objetivo supremo da vida. Nenhum pintor, mesmo que tenha as tintas preparadas, consegue representar o que quer que seja se não tiver uma ideia definida do que quer pintar.

Consequentemente, é um erro toda a gente deliberar sobre os episódios da sua vida e ninguém sobre ela na sua totalidade. O arqueiro, ao disparar uma flecha, deve conhecer o alvo que pretende atingir para poder apontar e regular a força do disparo.

As nossas deliberações serão vãs desde que não tenham um alvo preciso a atingir; quem não conhece o porto que demanda nunca encontrará ventos propícios!

O acaso tem assim, necessariamente, muito peso na nossa vida, porquanto nós vivemos ao acaso. Acontece até a muita gente pensar que não sabe coisas que sabe; sucede-nos com frequência não dar pela presença das pessoas que estão conosco, e, semelhantemente, ignorarmos que o objetivo do supremo bem está mesmo ao nosso lado!

Não são precisas muitas palavras nem longos circunlóquios para tu entenderes em que consiste o bem supremo: apontar-te-ei, por assim dizer, com o dedo e do modo mais conciso possível.

Aliás, que interesse tem decompor em elementos o supremo bem, quando se pode defini-lo como “aquilo que se conforma com a moral”, quando se pode até, para tua maior admiração, dizer que “o único bem é aquilo que se conforma com a moral, todos os outros bens são falsos e impuros”.

Se tu te convenceres disto, se tu adorares a virtude (pois amá-la, apenas, de pouco serve!), então tudo quanto seja tocado pela virtude terá a teus olhos nobreza e felicidade, independentemente do que os outros possam pensar.

submissão à tortura – desde que tu, a vítima, te sintas mais seguro de ti do que o carrasco -, a doença – desde que te não queixes da fortuna nem te deixes vencer pela enfermidade – , tudo enfim que, na opinião corrente, são formas de mal, perderá a sua força e transformar-se-á em bem se tu fores capaz de dominar a situação!

Uma coisa tem que ficar clara: não é um bem senão o que for moral; todas as adversidades merecerão até o nome de bens desde o momento em que a virtude lhes confira valor moral.

Muita gente pensa que as nossas teorias estão acima do que a condição humana permite, e com uma certa razão, quando apenas se toma em consideração o corpo. Mas se passar a tomar-se em consideração a alma, ver-se-á como a bitola para medir o homem deve passar a ser a divindade!

Eleva-te, Lucílio, meu excelente amigo, abandona essas frioleiras literárias de certos filósofos que reduzem a grandeza da filosofia à análise das sílabas e rebaixam e humilham a alma com os seus ensinamentos de pormenor!

Tornar-te-ás assim igual aos descobridores destes princípios e não a esses mestres e praticantes de ‘filosofia que fazem dela uma coisa abstrusa, em vez de um estudo sublime.

Sócrates, que reduziu toda a filosofia à ética, dizia que a suprema sabedoria consistia em distinguir o bem e o mal. “Se a minha autoridade tem para ti algum valor” – dizia ele – “pratica a moral para poderes ser feliz, e não te importes que fulano ou cicrano te ache estúpido.

Deixa que os outros te ofendam e te injuriem; desde que possuas a virtude em nada serás lesado por isso. Se queres ser feliz, se queres ser um homem de bem e digno de confiança, não te importes que os outros te desprezem!

Ninguém conseguirá atingir este nível se previamente não tiver negado qualquer valor a tudo o mais, se não tiver colocado todos os bens em pé de igualdade – porque não existe bem onde não há moral, e a moral é sempre a mesma em todas as circunstâncias.

“Que dizes? Então é indiferente que Catão seja eleito ou recusado para pretor? (1) É indiferente que, na batalha de FarsáliaCatão seja vencido ou saia vencedor? (2)

O bem resultante de Catão, mesmo após a derrota do seu partido, não poder ser derrotado, é equivalente ao bem que resultaria de Catão regressar à pátria como vencedor e como artífice da paz?”

**Como não, se idêntica é a virtude com que se domina a má fortuna ou se usufrui da boa?. A virtude não pode ser maior ou menor, tem apenas uma grandeza absoluta.

“Mas Gn. Pompeio perderá o seu exército, o partido aristocrático – o mais belo adorno da república romana -, o senado em armas – a primeira linha do partido pompeiano -, será posto em fuga nessa única batalha, enquanto a queda em ruínas de um tão grande império se dividirá pelo mundo inteiro: parte desmoronar-se-á no Egipto, parte em África, parte na Hispânia. (3) Para cúmulo da miséria, à república romana nem ao menos foi dado ruir de uma só vez!”

Tudo isso sucederá, e mais ainda, no seu próprio reino, de nada valerá a Juba o conhecimento do terreno nem a coragem obstinada do povo em defesa do seu rei; os uticenses, dominados pela adversidade, romperão os vínculos da lealdade, e a fortuna proibirá a Cipião em África o uso do velho cognome!

Desde sempre, porém, a providência velou por que Catão em nada fosse lesado!

“Mas Catão foi vencido!”

Podes inserir este episódio entre as derrotas de Catão; mas a impossibilidade de vencer a guerra, Catão encara-a com a mesma grandeza de alma com que viu ser-lhe recusada a pretura.

No dia em que perdeu as eleições entreteve-se a jogar, na noite em que decidiu suicidar-se entreteve-se a ler; situou no mesmo plano a recusa para a pretura e a partída desta vida, convencido como estava de que devemos suportar todas as contingências.

De resto, porque razão não havia ele de encarar com coragem e equanimidade esta transformação da república? Há alguma coisa que esteja isenta do perigo da mudança? Não o está a terra, nem o céu, nem toda esta máquina do universo, embora se mova por ação da divindade; o mundo não conservará sempre a ordem atual, um dia virá que o há-de desviar do presente curso.

Todos os seres obedecem à lei do tempo: tudo tem de nascer, crescer, extinguir-se. Os corpos celestes que tu vês girar sobre as nossa cabeças, este solo, aparentemente tão sólido, em que assentamos firmemente os pés,tudo há-de murchar e de extinguir-se; em todo o ser está contida a sua futura degenerescência!

A natureza, embora as respectivas durações sejam diferentes, destina ao mesmo fim todos os seres: o que é, deixará de ser, não porque seja aniquilado, mas porque se transforma.

Para nós, porém, a metamorfose é equivalente à aniquilação porque apenas consideramos os resultados imediatos, porque o nosso espírito embotado e agarrado a este corpo não é capaz de ver mais além.

Se assim não fosse, o homem teria mais coragem para encarar o fim próprio e o dos seus, caso pensasse que, como tudo o mais, a vida e a morte se sucedem alternadamente, que cada coisa se dissolve nos seus componentes, que componentes dispersos se agregam para formar cada ser, e que nesta atividade se manifesta eternamente a ação da divindade que modera o universo(4)

Deste modo, percorrendo com o espírito todo o revolver dos tempos, poder-se-ia dizer como M. Catão:

“Toda a espécie humana, presente ou futura, está condenada à morte; todas as cidades florescentes que tem havido, todas as metrópoles enriquecidas por conquistas imperiais – um dia ignorar-se-á até onde ficavam, pois todas desaparecerão, levadas por várias formas de destruição: umas serão arrasadas pela guerra, a outras consumi-las-á a inação, a paz transformada em indolência, e essa peste funesta que se sucede à abundância da riqueza: o luxo! Todas estas planícies férteis serão submersas por uma inesperada irrupção do mar ou ruirão nas entranhas da terra por súbito aluimento do solo. Porquê então indignar-me ou afligir-me se precedo um pouco o destino comum da República?

Uma alma grande deve submeter-se à divindade e obedecer sem hesitação à lei geral do universo: após a morte a alma, ou passa a uma forma superior de vida ascendendo, luminosa e tranquilamente, à esfera divina, ou então, caso volte a confundir-se no todo da natureza, decerto não sofrerá com isso a mínima aflição(5)

Por consequência a vida segundo a ética de M. Catão não é um bem superior à sua morte segundo a ética, uma vez que a virtude não pode sofrer acrescimo algum. Sócrates dizia que verdade e virtude são uma e a mesma coisa. Tal como a verdade não pode ser acrescida, também a virtude o não pode: a virtude só tem uma medida, é um valor absoluto.

Não há, portanto, razão para te admirares quando te digo que todos os bens são iguais, quer os que obtemos deliberadamente, quer os que as circunstâncias nos proporcionam. Se admitires desigualdade entre estas duas categorias e incluíres, por exemplo, a coragem perante os tormentos na classe dos bens inferiores, estarás, ao fazer isso, a inclui-lo na classe dos males; serás levado a dizer que Sócrates era infeliz na prisão, que Catão se sentia infeliz ao abrir a ferida com ânimo ainda maior do que mostrara ao ferir-se, que Régulo foi o mais desgraçado dos três quando se entregou à tortura para guardar a palavra dada aos inimigos!

Ninguém, todavia, – a menos que seja o último dos covardes – , ousará afirmar tal coisa: há quem negue que Régulo fosse feliz, mas ninguém afirma que fosse desgraçado! Os antigos Académicos admitem que se possa ser feliz no meio da tortura, mas não de uma forma total e plena (6)

Tal posição é inaceitável: se não se for feliz, não se pode gozar do súpremo bem. O supremo bem não admite qualquer grau superior a si, desde que nele se contenha a virtude, e desde que a virtude não seja diminuída pela adversidade e permaneça intacta mesmo que o corpo sofra alguma amputação: e de fato a virtude mantém-se! É que eu concebo a virtude como animosa e sublime, e tanto mais ardente quanto mais obstáculos encontra.

A mesma disposição de espírito que assumem fequentemente os jovens de índole nobre quando se deixam tocar pela beleza de qualquer ação eticamente válida a ponto de desprezarem todos os eventuais condicionalismos, essa mesma disposição incutirá e infundirá em nós a filosofia; ela nos persuadirá de que o único bem é aquilo que é conforme à moral – e de que um tal bem não admite nem diminuição nem acréscimo, assim como não admite curvatura a régua com que se traça uma linha reta.

A mínima alteração nessa régua implica um defeito na retidão da linha. O mesmo, portanto, diremos da virtude: é como uma linha reta, que não admite a mínima curvatura; pode a virtude tornar-se mais rígida, mas nunca poderá tornar-se mais intensa (7)

A virtude formula juízos sobre tudo, mas nada pode formular juízos sobre ela. E se a própria virtude não pode tornar-se mais reta, também as ações que se realizam por meio da virtude não podem ser mais retas umas do que as outras, pois todas elas têm de se conformar com a virtude; donde se conclui que todas são iguais entre si.

“Que dizes? Estar reclinado num festim ou estar a ser torturado são coisas iguais entre si?”

Parece-te estranho? Pois digo-te uma coisa que ainda vais estranhar mais: estar reclinado num festim é um mal enquanto estar deitado na mesa de torturas é um bem se no primeiro caso agirmos contra a moral e no segundo, conforme a moral!

Não é a matéria do ato, mas sim a virtude que distingue os atos em bons e maus; onde quer que esteja presente a virtude só pode haver uma medida, só pode haver um valor.

Já sei que me exponho aos ataques de quem mede pelo seu próprio o ânimo dos demais, ao afirmar que são equivalentes os bens do juiz que julga segundo a ética e os do citado em juízo que se mantém dentro dos princípios da ética, ou ao declarar igualmente boa a posição do general triunfador e a. do prisioneiro que marcha adiante do carro triunfal sem que a sua alma se deixe abater!

Há pessoas que julgam impossível tudo quanto elas próprias são incapazes de fazer, ou seja, que opinam sobre a virtude partindo do ponto de vista das próprias debilidades.

Porquê espantar-nos que possa ser vantajoso, por vezes mesmo desejável, expor-nos ao fogo, às feridas, à morte, à prisão? Para o homem esbanjador a austeridade é um castigo, para o preguiçoso o trabalho equivale a um suplício; ao efeminado toda a labuta causa dó, para o indolente qualquer esforço é uma tortura: pela mesma ordem de ideias toda a atividade de que nos sentimos incapazes se nos afigura dura e intolerável, esquecendo-nos de que para muitos é uma autêntica tortura passar sem vinho ou acordar de madrugada!

Qualquer destas situações não é difícil por natureza, os homens é que são moles e efeminados! Para formar juízos de valor sobre as grandes questões há que ter uma grande alma, pois de outro modo atribuiremos às coisas um defeito que é apenas nosso, tal como objetos perfeitamente direitos nos parecem tortos e partidos ao meio quando os vemos metidos dentro de água.

O que interessa não é o que vemos, mas o modo como vemos; e no geral o espírito humano mostra-se cego para a verdade! Indica-me um jovem ainda incorrupto e de espírito alerta, e ele não hesitará em julgar mais afortunado o homem capaz de suportar todo o peso da adversidade sem dobrar os ombros, o homem capaz de alçar-se acima da fortuna.

Não é proeza nenhuma manter a calma quando a situação é tranquila; é admirável, pelo contrário, conservar o ânimo quando todos se deixam abater, mantermo-nos em pé quando todos jazem por terra. O que há de mal na tortura e em tudo o mais a que damos o nome de “adversidade”? Apenas isto, segundo penso: o fato de nos abaixar, abater, humilhar o espírito. Ora nada disto pode suceder ao homem sábio, o qual se mantém vertical seja qual for o peso sobre os seus ombros. A um tal homem, coisa alguma deste mundo pode humilhar; um tal homem a nada do que é inevitável se recusa. O sábio não se lamenta se lhe acontecer algo daquilo a que a condição humana está sujeita.

Conhece as próprias forças, sabe que não vergará sob o peso. Com isto eu não estou a colocar o sábio à parte do comum dos homens nem a julgá-lo inacessível à dor como se de um penedo insensível se tratasse. Apenas. recordo que o sábio é composto de duas partes: (8) uma é irracional, e sensível, portanto, às feridas, às chamas, à dor; a outra é racional, dotada de convicções inabaláveis, inacessível ao medo, indomável. É nesta parte que reside o supremo bem para o homem (9)

Enquanto o seu bem próprio ainda está por preencher, o espírito do homem pode resvalar na incerteza, mas desde o momento em que atinge a perfeição adquire para sempre a estabilidade total. O homem que iniciou a marcha para o bem supremo e cultiva a virtude, mas que, embora se aproxime da meta, ainda não atingiu a plenitude, pode por vezes recuar e diminuir algum tanto a sua energia mental; é compreensível, pois ainda não ultrapassou a fronteira da incerteza, ainda escorrega na dúvida.

Mas o homem que atingiu a ventura da perfeita virtude, esse tanto mais respeito tem por si mesmo quanto mais violentamente já foi posto à prova; ações que fazem recuar os outros, se forem exigidas por qualquer dever moral, tal homem fá-las-á, e com entusiasmo, preferindo de longe ouvir gabar o seu valor do que a sua felicidade!

Mas vamos enfim à questão que esperas ouvir-me tratar. Para que te não pareça que a virtude estóica paira para além do humanamente possível(10) dir-te-ei que o sábio também pode estremecer, sofrer, perder a cor, pois tudo isto são sensações fisicamente naturais. Onde é que está então a desgraça, quando é que estes sintomas se tornam num mal verdadeiro? É apenas quando causam o abatimento da alma, quando levam o homem a confessar a sua servidão, quando o forçam a arrepender-se de si mesmo.

O sábio será capaz de dominar a fortuna com a sua virtude, ao passo que muitos adeptos da filosofia se deixarão assustar por ameaças de somenos importância.

Neste ponto será nosso o erro se exigirmos de um principiante aquilo que exigimos ao sábio. Pelo que me toca, ainda estou na fase de assimilação destes princípios, ainda não atingi a fase da completa persuasão; e mesmo que a tivesse atingido, não teria ainda tempo pára os ter de tal modo assimilado e praticado que eles me pudessem ocorrer em qualquer emergência.

Há certas cores que a lã assimila a uma só passagem, outras só ao fim de muitas aplicações ficam bem impregnadas no tecido; semelhantemente, há certas áreas do conhecimento que, uma vez apreendidas, podem de imediato ser postas em prática; a filosofia, porém, só após longa e profundamente interiorizada, só depois de ter não só colorido mas impregnado mesmo a alma, é que está em condições de proporcionar os resultados inicialmente prometidos.

De uma forma breve e sintética esta tese pode resumir-se assim: o único bem é a virtude, não existe bem onde não existe virtude e quanto à virtude diremos que ela reside na melhor parte de nós mesmos, ou seja, na parte racional.

A virtude não é outra coisa senão a faculdade de ajuizar de uma forma correcta e imutável; dessa faculdade provêm as decisões da vontade, e graças a ela se clarifica a natureza de todas as formas que despertam a vontade.

De acordo com essa faculdade é legítimo considerar como bens, – e como bens iguais entre si – tudo aquilo em que existe a presença da virtude. Os bens do corpo são de fato bens para o corpo, mas não são bens de valor absoluto; tais bens podem ter algum valor, mas carecem de dignidade; entre eles existem consideráveis diferenças, uns são mais valiosos, outros menos.

Entre os próprios praticantes da filosofia devemos necessariamente admitir que existem fortes diferenças: este, por exemplo, já progrediu tanto que se atreve a erguer os olhos para a fortuna, embora sem constância (pois os olhos ficam como cegos perante o excessivo brilho); aquele já avançou tanto que, se não chegou ainda à meta e ganhou plena confiança em si mesmo, já pode pelo menos encarar de frente a fortuna.

Uma coisa ainda incompleta está necessariamente sujeita a oscilar, a progredir, a recuar ou mesmo a ruir. E ruirá certamente, se não houver vontade e esforço em andar para a frente! Se abrandamos um pouco que seja a aplicação e o esforço constante, andaremos certamente para trás. E ninguém conseguirá retomar o progresso no mesmo ponto em que o interrompeu!

Só há uma solução, portanto: ser firme e avançar sem descanso. O caminho que resta percorrer é mais longo que o já percorrido, mas grande parte do progresso consiste na vontade de progredir.

De uma coisa tenho eu plena consciência: quero progredir, quero-o com toda a alma! Sei que também tu estás cheio de entusiasmo no sentido de buscar atingir a virtude com todas as energias. Avancemos, pois só assim a vida nos será de utilidade. De outro modo não passa de um entrave, e um entrave desonroso para quem vive no meio do vício.

Façamos com que todo o nosso tempo nos pertença, o que só será possível se começarmos por nos tornarmos donos de nós próprios. Quando nos será concedida a indiferença perante as boas ou más graças da fortuna?

Quando nos será dada a faculdade de dominar todas as paixões, de submetê-las à nossa vontade, de poder enfim dizer esta palavra: “venci!”?

Perguntas-me quem é que eu pretendo vencer?

Não são os Persas, nem as últimas tribos da Média, nem os povos guerreiros que porventura existam para além da Dácia, mas sim a avidez, a ambição e o medo da morte – que até dos grandes conquistadores do mundo saiu vencedor!

Passar Bem!

(1) Catão não foi eleito para a pretura em -56, só o conseguindo em -54.
(2) Aparente erro histórico, já que Carão não tomou parte na batalha. Mas a frase pode entender-se sem a tomarmos à letra: Catão = o partido, a posição de que o mais importante representante foi Carão ( cf. o verso famoso de Lucano, bell. ciu., I, 128).
(3) Os três principais teatros da guerra civil, v. os três opúsculos pseudocesarianos Bellum Africum, Bellum Alexandrinum, Bellum Hispaniense.
(4)Cf. S. V. F., 1, 98.
(5)Cf. supra, livro VII, nora 15.
(6) Cf. infra, carta 85, 18.
(7) Tradução conjectural, dada a corruptela do texto.
(8) Cf. S. V F., II, 762. (9) Cf. S. V F., II, 879; III, 20.
(10) Cf. S. V F., III, 668, 544, 545.