30 de junho de 2025

Carta 21 – Não aumentes o seu patrimônio, diminui antes os seus desejos

Por lucianakeiko@gmail.com

Pensas que te dão problemas essas pessoas de que falas na tua carta? O maior problema vem de ti mesmo, tu é que te prejudicas a ti próprio. Não estás certo do que pretendes, tens mais facilidade em louvar do que em praticar a virtude, e embora saibas onde reside a felicidade não ousas aproximar-te dela.

O que te retém, afinal? Vou dizer-to, já que tu pareces não ter do caso uma noção clara. Tu atribuis uma certa grandeza ao tipo de vida que deverás abandonar; embora tenhas uma antevisão da vida sábia e tranquila a que irás aceder, o brilho aparente da vida mundana continua a atrair-te, como se o fato de abandonares a sociedade equivalesse a caíres numa vida de obscuridade completa.

Estás enganado, Lucílio: passar da vida mundana à vida da sabedoria é uma ascensão! A luz distingue-se do reflexo por ter a sua origem em si mesma, enquanto o reflexo brilha com luz alheia; a mesma diferença separa os dois tipos de vida: a vida mundana tira o seu brilho de circunstâncias exteriores, e o mínimo obstáculo imediatamente a torna sombria; a vida do sábio, essa brilha com a sua própria luminosidade!

Os teus estudos farão de ti um homem ilustre e famoso. Posso citar-te como exemplo um caso passado com Epicuro. Numa carta a Idomeneu, que então era ministro do poder real e encarregado de importantes responsabilidades, Epicuro, para o afastar dessa vida de ilusória grandeza e o aliciar para a glória certa e firme da sabedoria, disse-lhe: “Se estás interessado na glória, as minhas cartas dar-te-ão renome superior a esses cargos que tu procuras – e que tornam a tua pessoa tão procurada. Será que Epicuro se enganou?

Quem conheceria hoje Idomeneu se o filósofo o não citasse na sua correspondência? Todos os grandes da corte, todos os sátrapas, o próprio rei que concedeu o cargo a Idomeneu, jazem no mais profundo esquecimento. São as cartas de Cícero que não deixam esquecer o nome de Ático. De nada lhe serviria ter tido como genro Agripa, como “genro-neto”(1) Tibério, como bisneto Druso César; no meio de tão ilustres nomes, o nome de Ático permaneceria esquecido se Cícero o não tivesse ligado para sempre ao seu.

Um dia passará sobre nós toda a profundidade do tempo; apenas uns quantos génios se elevarão de entre a massa e, antes de algum dia mergulharem também no mesmo silêncio, resistirão ao esquecimento e manterão vivo o seu nome! O mesmo que Epicuro prometeu ao seu amigo, eu to prometo a ti, Lucílio: a posteridade há-de recordar-se de mim, hei-de fazer com que alguns nomes perdurem por estarem ligados ao meu. O grande Vergílio prometeu a imortalidade a dois dos seus heróis, e cumpriu a promessa:

Feliz par de heróis.’ Se algum poder tiverem os meus versos, nunca a posteridade esquecerá o vosso nome, enquanto a casa de Eneias se erguer sobre o rochedo firme do Capitólio, e o senado de Roma conservar o seu império.’

Todos aqueles que a fortuna pôs em evidência, que se distinguiram como agentes e partícipes de um poder alheio, somente gozaram de reputação e viram as suas casas cheias de visitantes enquanto em posição de destaque: assim que desapareceram, rapidamente foram esquecidos. Em contrapartida, o apreço que se dá aos homens de génio cresce sempre; e não são apenas eles que recebem homenagens, mas tudo quanto está ligado à sua memória.

Não será em vão que a minha carta mencionou o nome de Idomeneu: será ele o encarregado de pagar o meu tributo. Foi em carta a Idomeneu que Epicuro escreveu aquela nobilíssima máxima em que o aconselhava a não seguir a via comum e ilusória para enriquecer Pítocles: “Se quiseres – disse Epicuro – enriquecer Pítoclesnão aumentes o seu património, diminui antes os seus desejos.

Esta sentença é demasiado clara para necessitar de comentários e demasiado eloquente para carecer de adornos. Apenas te faço notar que não deves entendê-la somente em referência à riqueza: a sua verdade mantém-se se a aplicares a outras circunstâncias.

Se quiseres fazer de Pítocles um homem respeitável, não deves acrescentar as suas honras, mas diminuir os seus desejos; se quiseres que Pítocles envelheça tendo uma vida sempre cheia, não deves acrescentar-lhe anos de vida, mas sim diminuir os seus desejos. Não julgues que estas sentenças são propriedade de Epicuroelas pertencem a todos!

Em matéria de filosofia entendo que se pode proceder como no senado: se alguém faz uma proposta que me agrada apenas em parte, mando-o dividir a proposta em alíneas, e dou o meu voto à alínea que aprovo! Eu cito de tanto melhor vontade os ditos notáveis de Epicuro para fazer entender àqueles que seguem a sua doutrina na esperança perversa de encontrarem nela um manto que lhes proteja os vícios, como em todo o lado é necessário levar uma vida honesta. Ao chegar ao pequeno jardim de Epicuro, ao ler a inscrição da entrada: “Visitante, terás aqui uma agradável estadia, pois aqui o bem supremo é o prazer!” – , encontrarás à tua disposição o guardião dessa morada, um homem acolhedor, amável, que te apresentará uma malga de polenta e te servirá água à discrição, inquirindo sempre se te agrada a recepção. E dir-te-á:

“Este humilde jardim não desperta apetites, antes os sacia; não aumenta a sede à força de bebidas excessivas, antes a acalma de um modo natural e salutar. São estes os prazeres que me fizeram chegar a velho!”

Estou-me referindo a desejos que se não contentam de consolações verbais, que necessitam, portanto, de algo concreto para se satisfazerem. Quanto aos desejos incontrolados mas que é possível adiar, e mesmo refrear e reprimir, faço-te notar um ponto que é válido para todos eles: o prazer que originam pode ser natural, mas não é necessário.

É um prazer a que tu só darás satisfação se quiseres. O estômago não se contenta com sentenças: reclama, e exige ser satisfeito. Não é, todavia, um credor muito exigente: ir-se-á embora com pouco desde que lhe dês apenas o que deves, e não tudo quanto podes. ‘

Passar Bem!

(1)Talvez este termo seja uma monstruosidade linguística, mas exprime a relação de parentesco a que Séneca alude: Tibério foi casado com uma neta de Ático, logo era seu .. genro-neto”. Aliás, a formação do nome em latim é absolutamente lógica: progener (genro-neto) está para gener (genro) tal como pronepos (bisneto) está para nepos (neto). E, de resto, em português também há expressões como sobrinho-neto! Por que não também genro-neto?