Carta 35 – Vem depressa até mim, mas chega primeiro até ti mesmo!

Ao incitar-te insistentemente ao estudo da filosofia estou trabalhando em meu proveito: é que eu pretendo ter um amigo, e não poderei consegui-lo se tu não continuares a cultivar-te como tens feito.
Neste momento tens estima por mim, mas ainda não és meu amigo.
“Que dizes? Então uma coisa não implica a outra?”
Não, são mesmo coisas muito diferentes, porque, se a amizade é sempre proveitosa, o amor pode por vezes ser nocivo.
Se outra razão não houver, continua a progredir pelo menos para aprenderes a amar. Apressa-te, pois, enquanto podes ser-me proveitoso, não vá a tua aprendizagem redundar em benefício de outro qualquer! … Eu já estou antevendo o resultado, já imagino como nós dois havemos de ter uma só alma, e sei que o que a minha idade já perdeu em vigor poderá recebê-lo da tua, embora não muito distante. Mas eu quero ter a alegria de ver, só por si, o teu aperfeiçoamento.
Aqueles a quem amamos, mesmo quando ausentes são uma fonte de alegria para nós, se bem que ligeira e evanescente. A vista, a presença, a conversa de viva voz têm algo de prazer, sobretudo se não vemos apenas quem queremos, mas ainda como o queremos.
Associa-te a mim, portanto, suprema recompensa do meu esforço; pensa, o que poderá revigorar-te o propósito, que tu és mortal, e que eu sou um velho. Vem depressa até mim, mas chega primeiro até ti mesmo!
Progride, sempre com este máximo objetivo: obteres uma perfeita constância. Quando quiseres verificar se fizeste algum progresso, indaga se a tua vontade de hoje é idêntica à de ontem: uma mudança de vontade é indício de que a alma anda à deriva, aparecendo aqui ou ali conforme a levar o vento!
O que está fixo e bem agarrado ao chão não erra ao acaso: o mesmo sucede ao sábio consumado, e, por vezes, mesmo àquele que ainda se encontra em fase de aperfeiçoamento. A diferença entre ambos reside em que o segundo, embora sem mudar de posição, oscila na sua base, enquanto o primeiro nem sequer oscila.
Passar Bem!