Carta 25 – Ignoro se vou ser bem sucedido, mas prefiro não obter êxito a faltar ao meu dever
O tratamento adequado aos nossos dois amigos tem de usar métodos completamente diferentes. De fato, enquanto os vícios de um deles carecem de correção, os do outro exigem ser travados à força. Dir-te-ei com toda a franqueza: só serei na realidade seu amigo se for violento com ele! “Ora essa!” – dirás tu. –
“Pensas que podes manter sob o teu controle um discípulo de quarenta anos? Repara que já atingiu uma idade dura e intratável, insusceptível de correção. Só é possível moldar almas ainda jovens.”
Pois bem, eu ignoro se vou ser bem sucedido, mas prefiro não obter êxito a faltar ao meu dever. De resto não devemos perder a esperança de sarar uma doença mesmo prolongada, se nos mostrarmos firmes ante os desmandos dos doentes, se os forçarmos a fazer e a aguentar muita coisa contra a própria vontade.
Mesmo em relação ao nosso outro amigo eu não tenho demasiadas esperanças, a não ser o fato de ele ainda corar quando comete alguma falta. Há que cultivar esse sentimento de vergonha, o qual, enquanto permanecer na sua alma, nos dará bons motivos para ter esperança.
Quanto ao nosso “veterano”, tenho de tratá-lo com mais parcimônia, não vá ele desesperar de si mesmo. Nenhuma ocasião foi mais propícia para me encarregar dele do que agora que os seus vícios estão em descanso, e ele se assemelha a um homem reconvertido.
A outros, este divórcio dos seus vícios pode parecer definitivo, mas eu não me convenço com palavras: sei que os vícios, de momento adormecidos mas não dominados, hão-de regressar, e com juros elevados! Vou aplicar o meu tempo a tentar dominá-los, mas só depois de experimentar saberei se pode ou não conseguir-se algum sucesso.
Quanto a ti, continua, como até agora, a mostrar-te animoso e a diminuir as tuas bagagens! Nada do que possuímos nos é estritamente necessário. Regressemos à lei da natureza, e teremos riquezas em abundância.
Aquilo de que carecemos, ou é gratuito ou de baixo preço: a natureza contenta-se com pão e água! Ora ninguém é tão pobre que não possa obter estes dois bens; e quem a eles limitar os seus apetites poderá rivalizar em felicidade com o próprio Júpiter, conforme diz Epicuro. Será deste filósofo a frase que vou inserir na presente carta. Ei-la:
“Procede em tudo como se Epicuro te estivesse observando!”
É útil, sem dúvida, termos acima de nós um mestre, alguém cuja aprovação procuremos, alguém que, por assim dizer, participe dos nossos pensamentos. De longe mais importante será viver como se estivéssemos sempre perante o olhar de algum homem de bem; eu já me darei por satisfeito se tu agires sempre como se estivesses a ser observado, uma vez que a solidão é conselheira de todos os vícios.
Quando tiveres progredido a ponto de teres o maior respeito por ti próprio, então poderás dispensar o pedagogo. Por enquanto, acolhe-te à proteção de alguma autoridade: pode ser o grande Catão, ou Cipião, ou Lélio, ou outro qualquer, daqueles em cuja presença mesmo os homens mais depravados reprimiam os seus vícios.
Isto enquanto estás fazendo de ti um homem em cuja presença não ouses prevaricar. Quanto tiveres atingido este nível, quando começares a sentir respeito por ti mesmo, então eu começarei a permitir que faças aquilo que Epicuro igualmente aconselha:
“Refugia-te dentro de ti próprio, em especial quando fores fórçado a estar no meio da multidão. “
É bom que te tornes diferente da maioria, desde que possas refugiar-te com segurança dentro de ti mesmo. Repara no comum das pessoas: todas teriam mais proveito na companhia de alguém que não fossem elas próprias! “Refugia-te dentro de ti próprio, em especial quando fores forçado a estar no meio da multidão!” mas só se tu fores um homem de bem, tranquilo, moderado. Doutra maneira deves procurar refúgio na multidão e fugir de ti mesmo, escapando assim à presença íntima de um homem sem caráter.
Passar Bem!