2 de julho de 2025

Carta 23 – A verdadeira alegria é uma coisa muito séria

Por lucianakeiko@gmail.com

Não penses que te escrevo para dizer como o inverno, que, aliás, foi curto e pouco rigoroso, se portou bem conosco, ou como a primavera está desagradável, ou como o frio chegou fora de tempo! Isso são frioleiras próprias de quem fala por falar.

Eu só escrevo aquilo que sinto ter utilidade, quer para ti, quer para mim. Que outra coisa posso, portanto, fazer além de incitar-te à conquista da sabedoria? Queres saber qual o fundamento da sabedoria?

Não tirar satisfação de coisas vãs. Falei em fundamento: na realidade é o ponto culminante. Só atinge o ponto supremo quem sabe em que consiste a verdadeira satisfação, quem não deixa a sua felicidade ao arbítrio dos outros.

Fica sempre angustiado e inseguro de si o homem que se deixa solicitar por toda e qualquer esperança, ainda que ao seu alcance, ainda que fácil de realizar, ainda que nunca esse homem tenha sido iludido nas suas expectativas.

O que tens a fazer antes de mais, caro Lucílio, é aprender a ser alegre. Estás a pensar que eu te quero privar de muitos prazeres ao afastar de ti os bens fortuitos, ao entender que devemos subtrair-nos ao doce canto das sereias que é a esperança?

Pelo contrário, o meu desejo é que nunca te falte a alegria. O meu desejo é que a alegria habite sempre em tua casa; e fá-lo-á, se começar a habitar dentro de ti. Os outros tipos de alegria não satisfazem a alma; desanuviam o rosto, mas são superficiais. A menos que entendas que estar alegre é estar a rir! Não, a alma deve estar despertaconfianteacima das contingências.

Acredita-me, a verdadeira alegria é uma coisa muito séria. Julgas tu que se pode pensar em desprezar a morte, em abrir as portas à pobreza, em refrear os prazeres, em exercitar a capacidade de suportar a dor – e tudo isto sem franzir a testa, sempre com o rosto, como diriam os nossos jovens pretensiosos, descontraído?

Quem interioriza estes pensamentos alcança uma grande alegria, mas de ar pouco sorridente! O meu desejo é que tu possuas uma alegria deste tipo. Quando algum dia souberes de que fonte emana essa alegria, nunca mais ela deixará de te acompanhar.

Os filões dos metais ligeiros encontram-se à superfície, mas os metais mais preciosos são aqueles cujos veios se encontram mais fundo e que, por isso mesmo, compensam muito mais quem os explora.

Os prazeres com que o vulgo se deleita são ligeiros e superficiais, toda a alegria de importação carece de fundamento. A alegria de que estou falando e à qual me esforço por fazer-te aceder, essa é de natureza constante, e tanto mais dilatada, quanto mais íntima.

Peço-te, Lucílio amigo, age da única maneira possível para obteres a felicidade: repele e despreza aqueles bens que só brilham por fora, que dependem das promessas de fulano ou das benesses de cicrano. Faz do verdadeiro bem o teu alvo, busca a alegria dentro de ti. Que significa “dentro de ti” ? Significa que a felicidade se origina em ti mesmo, na melhor parte de ti mesmo.

Este nosso corpo, embora sem ele nada possamos fazer, considera-o como um utensílio, indispensável, sim, mas não valioso.

O corpo alicia-nos para prazeres ilusórios, de curta duração, prazeres que nos repugnam mal terminam e que, se não forem doseados com extrema moderação, acabam por se tornar no seu contrário. Assim mesmo: o prazer está à beira de um precipício, e transforma-se em dor se não for gozado segundo a justa medida.

Por outro lado, é difícil guardar a justa medida daquilo que se nos afigura um bem. Ora o desejo do verdadeiro bem está ao abrigo deste risco. Se queres saber em que consiste e donde provém o verdadeiro bem, vou dizer-to: consiste na boa consciência, nos propósitos honestos, nas ações justas, no desprezo pelos bens fortuitos, no ritmo tranquilo e constante de uma vida que trilha um único caminho.

Aqueles que estão continuamente a mudar de intenções e não apenas a mudar, mas a deixarem-se arrastar ao sabor do acaso, como poderão apoiar-se em alguma certeza permanente se eles próprios são hesitantes e instáveis?

Raros são os homens que conseguem ordenar refletidamente a sua vida. Os outros, à maneira de destroços arrastados por um rio, em vez de caminharem deixam-se levar à deriva. Se a corrente é fraca ficam parados na água quase estagnada, se é forte, são arrastados com violência; a uns, deixa-os a corrente em seco ao abrandar junto à margem, a outros, um fluxo impetuoso acaba por lançá-los no mar. Por isso mesmo é que nós devemos fixar de uma vez por todas o que queremos e manter-nos firmes nesse propósito.

É chegado o momento de pagar a minha dívida. Poderei fazê-lo citando um dito do teu caro Epicuro com o qual darei por desobrigada esta carta: “É lamentável estar-se perpetuamente no começo da vida.

Talvez a mesma ideia se possa exprimir com mais clareza desta outra forma:

“Vivem mal os homens que estão sempre começando a viver”.

Não entendes porquê? De fato esta frase exige uma explicação. O que se passa é que tais homens têm permanentemente uma vida incompleta, pois quando se está ainda no início da vida não se pode estar já preparado para a morte.

Devemos agir de modo a que em qualquer altura já tenhamos vivido o bastante, coisa fora do alcance de quem está sempre procurando um rumo para a sua vida.

E não penses que são poucos os homens nestas circunstâncias: são praticamente todos! Há mesmo quem comece a viver na hora em que devia morrer. Parece-te estranho? Pois vou dizer-te uma coisa aparentemente ainda mais estranha: há homens que deixaram de viver antes mesmo de terem começado!

Passar Bem!