29 de junho de 2025

Carta 20 – Quando virá o dia em que ninguém te mentirá para te ser agradável?!

Por lucianakeiko@gmail.com

Se estás bem de saúde, se te consideras digno de seres um dia senhor de ti mesmo, fico contente.

Será minha a glória, se porventura te subtrair a esse mar de incertezas onde erras, sem esperança, à deriva. Há, porém, uma coisa que te peço, meu caro Lucílio, com todo o empenho: interioriza a filosofia no mais íntimo de ti mesmo e fundamenta a avaliação do teu progresso não em palavras que digas ou escrevas, mas sim na tua firmeza de ânimo e na diminuição dos teus desejos; comprova as palavra com os atos !

Diferente é o propósito dos declamadores que pretendem ganhar o aplauso da assistência, diferente é também o dos conferencistas que atraem a atenção dos jovens e dos ociosos pela variedade dos temas ou pela elegância da exposição; a filosofia, essa, ensina a agir, não a falar, exige de cada qual que viva segundo as suas leis, de modo que a vida não contradiga as palavras, nem sequer se contradiga a si mesma; importa que todas as nossas ações sejam do mesmo teor.

O maior dever – e também o melhor sintoma da sabedoria é a concordância entre as palavras e os atos, o sábio será em todas as circunstâncias plenamente igual a si próprio.

“Mas quem será capaz de atingir um tal nível?”

Poucos, decerto, mas mesmo assim, alguns! Não escondo que a empresa é difícil; nem te digo que o sábio avançará sempre ao mesmo ritmo, embora o rumo sempre seja o mesmo.

Auto-analisa-te, portanto, e verifica se há discordância entre a tua roupa e a tua casa, se és pródigo para contigo mas mesquinho para com os teus, se é frugal a tua ceia mas luxuosa a tua habitação. Adota de uma vez por todas uma regra de conduta na vida e faz com que toda a tua vida se conforme com essa regra. Há pessoas que se retraem em casa e que se expandem sem inibições fora dela; semelhante variedade de atitudes é viciosa, é indício de um espírito hesitante que ainda não achou o seu ritmo próprio.

Posso explicar-te, aliás, donde provém esta inconstância, esta divergência entre os propósitos e as ações. A causa é que ninguém fixa nitidamente aquilo que quer nem, se o fez, permanece fiel ao seu propósito, antes pretende ir mais além; e não se trata apenas de mudar de objetivo, acaba-se por voltar atrás e de novo cair na situação anteriormente rejeitada e condenada. Em suma, deixando as antigas definições de sabedoria e abarcando numa fórmula todo o ciclo da vida humana, acho que seria bastante dizer isto: a sabedoria consiste em querer, e em não querer, sempre a mesma coisa.

Não é necessário acrescentar, como condição, que devemos querer o que é justo, porque só é possível querer sempre a mesma coisa se essa coisa for justa.

Ora sucede que as pessoas ignoram o que querem excepto no próprio momento do querer; ninguém determina de uma vez por todas o que deve querer ou não querer; todos os dias se muda de opinião, mudança por vezes diametralmente oposta; para muitos, em suma, a vida não passa de um jogo! Quanto a ti, mantém-te fiel ao propósito que adoptaste, e assim conseguirás talvez atingir o ponto máximo, ou pelo menos um ponto tal que apenas tu compreenderás não ser ainda o máximo.

“O que será então feito de tóda esta gente que forma a minha casa quando essa casa deixar de existir?”

Quando toda essa gente deixar de se alimentar à tua custa, passará a fazê-lo à sua própria; e tu, aquilo que nunca conseguirás saber através das tuas benesses, sabê-lo-ás graças à tua pobreza: esta manterá junto de ti os amigos verdadeiros, enquanto os que te procuravam não por ti mas pelos teus bens se irão embora. Não é exato que basta isto para nos fazer amar a pobreza – o mostrar-nos quem de fato nos ama? Quando virá o dia em que ninguém te mentirá para te ser agradável?!

Dirige, pois, as tuas meditações, os teus esforços, as tuas opções para este objetivo – viveres contente contigo próprio e com os bens que de ti provêm, – e deixa a cargo da divindade todos os teus outros votos. Poderá haver uma felicidade mais ao nosso alcance? Reduz-te a uma posição humilde de que te não seja possível decair. Para te ajudar a fazer isto mais animosamente servirá o tributo desta carta, que prontamente te vou oferecer.

Podes olhar-me de revés à vontade: ainda desta vez será Epicuro o encarregado de saldar a minha dívida! Diz ele:

“Acredita no que te digo, as tuas palavras ganharão maior força se dormires numa enxerga e te vestires de andrajos, pois deste modo atestarás na prática que as tuas palavras não são apenas palavras!”

Eu sou forçado a dar outra atenção ao que diz o nosso Demétrio porque o vi seminu, deitado numa coisa a que seria exagero chamar enxerga: um tal homem não ensina a verdade, dá testemunho dela!

“Pois quê?” dirás tu. – “Não é possível sentir desprezo pelas riquezas que temos na nossa posse?” Claro que é possível. Um homem que as veja à sua volta, que longamente se admire como elas chegaram até si, que se ria delas e as tenha como suas, não porque as sinta como tais, mas por “ouvir dizer” – tal homem é um espírito superior. É altamente importante não nos deixarmos corromper pela vizinhança da riqueza; viver como pobre no meio da riqueza é indício de grandeza de alma.

Não sei” – objetarás – “como tal homem poderia suportar a pobreza se nela caísse de repente.” Também eu não sei, Epicuro, como o teu pobre fanfarrão desprezaria a riqueza se nela caísse de repente! Por isso mesmo, num caso e noutro, importa averiguar a verdadeira intenção; e verificar se este no fundo não gosta da pobreza e se aquele no fundo não gosta mesmo de ser rico. A enxerga e os andrajos não são indício seguro de uma mentalidade superior senão quando é evidente que eles são motivados por uma opção, e não suportados por necessidade.

Mais ainda, um caráter nobre não procura apressadamente a miséria por ser uma situação preferível; prepara-se, porém, para ela como uma situação fácil de aguentar. E é efectivamente fácil, Lucílio, e mesmo agradável, quando acedemos a ela depois de uma meditação já vinda de longe. Há na pobreza uma coisa indispensável para termos alegria: a segurança.

Julgo, por conseguinte, ser necessário fazer o que, conforme já te disse noutra carta,28 alguns grandes homens fizeram várias vezes: reservar alguns dias para, vivendo numa pobreza imaginária, nos prepararmos para a verdadeira. Coisa tanto mais necessária quanto nós, amolecidos pela vida fácil, consideramos tudo como duro e penoso.

Há que despertar do sono a nossa alma, há que espicaçá-la, há que mostrar-lhe como é exíguo o que a natureza nos concedeu. Ninguém nasce rico; no momento de vir à luz temos de contentar-nos com uma fralda e um pouco de leite: e é a partir de tais começos que chegamos a pensar que um reino é estreito para nós!. ..

Passar bem!