20 de setembro de 2025

Carta 103 – Naufragar, cair de um carro – são desastres eventualmente graves, mas raros.Nas relações humanas, porém, o perigo é coisa de todos os dias.

Por lucianakeiko@gmail.com

Porque tomas tu essas precauções todas contra incidentes que, se podem eventualmente ocorrer, podem igualmente nunca vir a verificar-se?

Estou-me referindo a incêndios, desmoronamentos e outras calamidades que se podem abater sobre nós, mas sem o propósito deliberado de nos causarem mal.

Melhor farias em procurar evitar os perigos reais que nos espreitam na intenção de nos apanhar à traição.

Naufragar, cair de um carro – são desastres eventualmente graves, mas raros.

Nas relações humanas, porém, o perigo é coisa de todos os dias. Deves precaver-te bem contra este perigo, deves estar sempre de olhos bem abertos: não há nenhum outro tão frequente, tão constante, tão enganador!

A tempestade ameaça antes de rebentar, os edifícios estalam antes de cair por terra, o fumo anuncia o incêndio próximo: o mal causado pelo homem é súbito e disfarça-se com tanto mais cuidado quanto mais próximo está.

Fazes mal em confiar na aparência das pessoas que se te dirigem: têm rosto humano, mas instintos de feras. Só que nestas apenas o ataque direto é perigoso; se nos passam adiante não voltam atrás à nossa procura. Aliás, somente a necessidade as instiga a fazer mal; a fome ou o medo é que as forçam a lutarO homem, esse, destrói o seu semelhante por prazer. Tu, contudo, pensando embora nos perigos que te podem vir do homem, pensa também nos teus deveres enquanto homem. Evita, por um lado, que te façam mal; evita, por outro, que faças tu mal a alguém.

Alegra-te com a satisfação dos outros, comove-te com os seus dissabores, nunca te esqueças dos serviços que deves prestar, nem dos perigos a evitar.

Que ganharás tu vivendo segundo esta norma? Se não evitas que te façam mal, pelo menos consegues que te não tomem por tolo.

Acima de tudo, porém, refugia-te na filosofia: ela te protegerá no seu seio, neste templo sagrado viverás seguro ou, pelo menos, mais seguro.

Não dão encontrões uns nos outros senão os que caminham pela mesma estrada. Não deverás, todavia, fazer alarde da tua filosofia; muitos dos seus adeptos viram-se em situações perigosas por a praticarem com excessiva altivez e obstinação.

Usa-a tu para te livrares dos teus vícios, não para exprobares os dos outros. Que ela te não leve a viver ao invés de todos os demais, nem a parecer condenar tudo aquilo que não praticas.

É possível ser sábio sem jactância e sem provocar hostilidades.

Passar Bem!