Carta 10 – Vive com os homens como se a divindade te observasse; fala com a divindade como se os homens te escutassem
É assim como te digo, não mudo de opinião: evita as multidões, evita os pequenos grupos, evita mesmo os indivíduos isolados. Não conheço ninguém com quem goste de te ver em comunicação.
Repara, porém, no juízo que faço a teu respeito: ouso confiar-te a ti mesmo. Segundo corre, Crates, um discípulo daquele Estilbão de que te falei na carta anterior, viu um dia um jovem passeando sozinho e perguntou-lhe o que fazia, assim isolado.
O jovem respondeu:
“Falo comigo mesmo.”
Então Crates retorquiu:
“Tem cuidado, toma bem atenção no que fazes: olha que estás falando com um homem de mau carácter.”
Quando alguém se encontra dominado pela dor ou pelo medo, costumamos vigiá-lo, não vá ele fazer mau uso da sua solidão.
Pessoas de pouco discernimento não devem ficar entregues a si próprias: ou tomam decisões erradas, ou assumem atitudes perigosas, para os outros ou para si mesmas, ou se deixam guiar por propósitos desonestos; tudo quanto o medo ou o pudor lhes escondia no ânimo vem ao de cima, provoca o atrevimento, agudiza a sensualidade, desperta a cólera.
Em suma, a única vantagem da solidão – não confiar segredos, não temer denúncias – o insensato perde-a, pois é ele próprio que se trai.
Vê assim que esperanças tenho a teu respeito, ou melhor, que confiança (pois a “esperança” refere-se a um bem ainda incerto) tenho em ti, a ponto de não conhecer ninguém cuja companhia te seja preferível à tua própria.
Recordo-me da energia com que pronunciavas certas máximas, e de como estas estavam cheias de vigor; como eu me congratulei desde logo, dizendo:
“estas frases não vêm somente da boca, são palavras que assentam em base sólida; este homem não é um indivíduo vulgar, é sim alguém que visa a salvação!”
Fala e age sempre com esse propósito, atenta a que coisa alguma te desanime. Pede aos deuses que te libertem dos teus votos de antigamente e formula outros inteiramente novos: pede-lhes sabedoria, pede-lhes impecável saúde de espírito, e só depois também a do corpo.
Porque não hás-de formular tais votos com frequência? Pede sem receio à divindade que lhes dê seguimento : nada pedirás que não esteja em seu poder !
Para terminar esta carta com a pequena oferenda do costume, aqui tens esta verdade que colhi em Atenodoro:
“podes estar certo de que te libertaste totalmente das paixões quando chegares ao ponto de não pedires aos deuses senão o que fores capaz de pedir em voz alta!”
Mas como é grande, no geral, a insensatez dos homens que, murmurando, dirigem aos deuses as mais sórdidas preces!
Calam-se se alguém as tentar ouvir mas dizem à divindade palavras que não querem que outro homem escute.
Repara, portanto, se não será salutar este preceito: vive com os homens como se a divindade te observasse; fala com a divindade como se os homens te escutassem.
Passar bem!