16 de julho de 2025

Carta 37 – Terás de morrer sem te curvares, sem te deixares vencer.

Por lucianakeiko@gmail.com

O laço mais forte a prender-te à prática da virtude é este: comprometeste-te a ser um homem de bem, confirmaste-o por um juramento. Se te disserem que se trata de uma militância ligeira e fácil estão troçando de ti. Não pretendo enganar-te. Quer na mais nobre quer na mais vil das carreiras (1) a fórmula de compromisso é idêntica: jurar submeter-se “ao fogo, às cadeias, à morte pelas armas”.

No caso dos homens que alugam os seus braços à arena do circo, comendo e bebendo do que lhes rende essa sangrenta brutalidade, pretende conseguir-se que eles se submetam à violência mesmo contra vontade; no teu caso, que tu te submetas a ela voluntária e alegremente.

Os gladiadores podem jogar fora as armas e apelar para a clemência do público; tu não poderás lançar fora as tuas nem implorar que te concedam a vida: terás de morrer sem te curvares, sem te deixares vencer.

De que te valerá, aliás, a concessão de uns quantos dias, de uns quantos anos a mais? Nós, estóicos, não podemos ser desmobilizados! “De que modo então” – perguntas tu – “conseguirei libertar-me?”

Tu não podes escapar ao inevitável, mas podes vencê-lo! Abre-se caminho à força (2) , e esse caminho será a filosofia a indicar-te. Dedica-te a ela, se de fato queres salvar-te, se queres viver seguro e feliz, se queres, enfim, e isso é o fundamental, ser livre.

Não há outro modo de conseguires tudo isto. A ignorância (3) é uma coisa vil, abjeta, indigna, servil, sujeita a inúmeras e violentíssimas paixões. Destes insuportáveis tiranos que são as paixões – e que ora nos governam alternadamente, ora em conjunto – te libertará a sabedoria, a única liberdade autêntica.

Para chegar à sabedoria, um só caminho e em linha reta; não há que errar; avança em passo firme e constante.

Se queres que tudo te esteja sujeito, sujeita-te tu à razão; dirigirás muitos outros, se a ti te dirigir a razão. Ela te dirá o que deves empreender, e de que maneira; assim não serás surpreendido pelos acontecimentos.

Tu não podes apontar-me alguém que saiba de que modo começou a querer aquilo que quer. E porquê?

Porque o comum das pessoas não é levada pela reflexão, mas arrastada por impulsos.

A fortuna cai sobre nós não menos vezes do que nós caimos sobre ela. A indignidade não está em “irmos”, mas em “sermos levados”, em perguntarmos de súbito, surpreendidos, no meio de um turbilhão de acontecimentos: “Mas como é que eu vim parar aqui?”

Passar Bem!

(1) A mais nobre: a prática da filosofia; a mais vil: a de gladiador.
(2) Vergílio, Aen .. II, 494.
(3) Recorde-se que por “ignorância’ não deve entender-se meramente a ausência de conhecimentos, mas antes o estado de quem voluntária ou involuntariamente vive à margem dos princípios morais